24 de abril de 2024

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CERTEZA DE IMPUNIDADE PERMITE ABORDAGENS POLICIAIS VIOLENTAS CONTRA NEGROS E NA PERIFERIA, DIZ ESPECIALISTA

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Fonte: OTempo – Por Isabela Abalen

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Uma rede de cumplicidade impede a responsabilização dos agentes policiais envolvidos em abordagens violentas. A afirmação é do especialista associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio Souza. Segundo ele, a impunidade está diretamente relacionada ao perfil das vítimas: geralmente negras e periféricas. Não tendo uma solução fácil, o uso de câmeras nas fardas deve ser um começo.

É o caso do jovem de 20 anos que foi gravado em uma abordagem policial recebendo socos de três militares quando já imobilizado pelos agentes. Em um momento, um dos policiais o enforca com o golpe conhecido por “mata-leão” e ele só é colocado na viatura quando precisa ser carregado, estando aparentemente desmaiado. Cercado por familiares em plena luz do dia no bairro São Tomaz, na região Norte de Belo Horizonte, pelo vídeo, é possível ouvir mãe e irmã do suspeito gritando. “Estão matando meu irmão, estão matando meu irmão”, diz a familiar. 

Não coincidentemente, a vítima é negra e periférica. “Em primeiro lugar, a polícia tem procedimentos operacionais para abordagem dos suspeitos. O uso progressivo da força é ensinado no treinamento da equipe e requer situações específicas. No caso de ser uma pessoa só, não há necessidade nenhuma”, explica Souza, que também é professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Puc Minas). 

De acordo com ele, existe uma violência seletiva, isto é, os agentes tendem a agir de forma agressiva quando acreditam que não serão punidos. “Dificilmente você vai ver abordagens truculentas acontecendo em um bairro rico, em um condomínio, contra um cidadão branco. Isso porque, nesses casos, as vítimas podem acionar a justiça, entrar com pedido de indenização, de danos morais, sem depender de órgãos públicos”, continua. 

O especialista Robson Sávio Souza afirma que a impunidade está ligada aos órgãos públicos ao citar uma rede de cumplicidade que começa nos agentes policiais e termina na justiça. “Há uma certeza da impunidade. Na hierarquia da segurança, se o agente deixa de bater continência para o superior, é punido; se atrasa, é punido; mas se violenta um cidadão comum, geralmente não acontece nada”, denuncia. “Depois, o Ministério Público, que deveria controlar esse tipo de ocorrência, age com conivência, oferece poucas denúncias e mal as acompanha. E, por fim, o poder judiciário, que é altamente seletivo dependendo de quem é a vítima”. 

De fato, casos de uso de força desproporcional em abordagens policiais não são raros. No Brasil, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública mais recente, divulgado em 2022, foram 6.145 mortes decorrentes de intervenções policiais em 2021. “Não é à toa que vivemos num dos país em que a polícia mais mata em abordagens”, alerta Souza. 

Um último agravante citado pelo especialista é a cultura da violência, que faz estender, ainda mais, a rede de cumplicidade dos agentes que cometem infração. “Recentemente, a ideia de que a polícia deve ser violenta, que só assim é boa, cresceu significativamente. Os agentes se sentem, até mesmo, incentivados a agirem dessa forma”, explica. 

Câmeras não resolvem o problema, mas podem ajudar a combatê-lo 

Em Minas Gerais, são cerca de 1.040 câmeras portáteis para uso nas fardas das equipes policiais. Desde dezembro de 2022, elas estão sendo usadas por 4 mil policiais, em turnos alternados. Os equipamentos têm acesso à internet e são capazes de filmar, fotografar, transmitir em tempo real e oferecer a localização dos policiais por georreferenciamento. 

A notícia foi recebida como nova oportunidade para que situações de uso exagerado de força, ameaça, suborno ou outras infrações sejam gravadas, isto é, para que seja possível recolher provas. Para Souza, a medida não resolve o problema, mas é um caminho para pressionar as autoridades. “Uma câmera de vídeo não é a solução das ocorrências. Isso precisa ser tratado com seriedade nas Corregedorias de Polícias. Mas, claro, com as infrações sendo gravadas pela própria instituição, fica mais difícil de ignorar e não abrir um processo investigativo”, afirma. 

No caso do jovem abordado na região Norte de BH neste domingo (26), quem realizou o registro foram as testemunhas, o que tem funcionado recentemente para denunciar a violência. Mesmo assim, é apontada falta de seriedade sobre as abordagens. “A polícia sempre dá a sua versão, culpabilizando o crime, ou o suspeito, dizendo que ele apresentava risco. Mesmo que fique claro que houve uso excessivo de força”, diz o professor Robson Sávio Souza. 

Segundo a versão da Polícia Militar, a abordagem do jovem de 20 anos em BH foi feita durante a operação “BH Mais Segura” que tem o objetivo de “evitar homicídios e tráfico de drogas na região”. “Foi abordado um indivíduo conhecido no meio policial pelo envolvimento com a criminalidade. Procedemos a abordagem ao suspeito e foram localizados alguns materiais. No momento de algemar o indivíduo, este resistiu e tentou investir contra os militares, porém foi contido com o apoio das demais guarnições”, diz trecho da ocorrência.

Militares alegam que prenderam com o suspeito R$ 163, uma réplica de arma de fogo, um rádio comunicador, 13 pinos de cocaína, 31 buchas de maconha e dois celulares. A guarnição enviou, também, um vídeo da rede social do rapaz no qual ele exibia rádio comunicador e parte da droga que teria sido apreendida. Familiares do suspeito dizem, no vídeo, que “a polícia não encontrou nada com ele”. “Não pegou ele com nada, eles forjaram. Eles forjam tudo, não é a primeira vez que fazem isso. É com morador da rua, eles ameaçam dar tiro, nem perto a gente podia chegar, meninos pequenos estavam na rua. Fazem o que querem, aprontam o que querem e fica por isso mesmo”, afirmou à reportagem uma pessoa próxima do suspeito.

Por meio de nota, a Polícia Militar de Minas Gerais disse que a ocorrência era relacionada ao tráfico de drogas e que “em razão da resistência por parte do abordado, foi necessária a utilização de força para condução do envolvido”. A corporação não se manifestou sobre as agressões filmadas.  

Nesta segunda-feira (27), o abordado compareceu com a advogada na Central de Flagrantes 4. A família pretende acionar a Corregedoria da PM. 

A reportagem procurou o Ministério Público de Minas Gerais e aguarda retorno para atualização da matéria.

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